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Passos solitários. Passos de um corpo pesado. Certamente a caminhada, longa ou curta, não fora fácil. A atestá-lo temos a profundidade dos passos gravados na areia. As botas enterravam-se e o caminhante sentia dificuldade em caminhar.
Vinha do mar. Da vida que o mar quase engolira. Sempre a mesma: dura, penosa, cheia de sacrifícios e renúncias. O avô e o pai também tinham sido homens do mar. O mesmo mar salgado, sob um sol que a todos crestara o rosto e as mãos!
Ele tinha tido outros sonhos, em rapaz. Certo dia, a mãe, mais doce no trato, disse-lhe:
- Olha, Toninho, assim que fizeres o exame de quarta classe, passas a acompanhar o teu pai. O teu avô já não pode e não há ninguém que queira esta vida. Só podemos contar contigo.
Quis argumentar, porém sabia que não valia a pena. Não queria ser pescador. Queria continuar a estudar como o Zezinho, o filho do doutor da vila. Queria ter outra vida.
Ainda tentou chamar à razão o pai, talvez ele o compreendesse por andar naquela luta constante contra o mar. De nada lhe valeu. Foi pescador e pronto.
Sobreviveu ao naufrágio que lhe tirou o pai e onde outros companheiros quase morreram. Nessa altura, ainda jovem, amaldiçoou a força bruta do mar e recusou-se durante meses a pescar. Depois regressou. Como agora regressava de ver apenas o mar, porque os barcos não tinham saído para o mar!
2 comentários:
Quantos "Toninhos" não há por esse país fora? Sonhos de meninos desfeitos pela necessidade de sobreviver...
Bjs
Que texto envolvente. Queria eu voltar a escrever textos com essa desenvoltura. As tarefas cotidianas tem me pesado tanto que pouco consigo escrever. E olha que há tanats histórias aqui dentro de mim,querendo sair e tanta poesia dentro desse coração. Oh, tempo que nos escraviza...
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