sexta-feira, 29 de maio de 2009

Experiência ficcionista


Foto de Fernando Cardoso
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Saímos no teu carro. Deixámos a Grande Cidade, em direcção ao sul. Não fazia a mínima ideia onde nos ias levar. Por mais que te questionasse, não me revelavas as tuas intenções. Mantinhas-te alegre, divertida e misteriosa, como noutras alturas. Ao passarmos por uma placa, cheguei a pensar que íamos para uma vila piscatória, de várias colinas, muito conhecida, e que atraía muitos turistas no Verão. Demasiados para os pequenos areais!
Passámos em várias povoações que ambos conhecíamos, mas tu continuavas a andar. De certos sítios, passado algum tempo, via-se o oceano prolongar-se no infinito da nossa visão. Em breve, estávamos no campo a percorrer uma estrada estreita em direcção, agora sim, podia dizê-lo porque o via, ao Cabo Espichel.
Ao chegarmos, contornaste o que restava do convento e foste estacionar bem perto do penhasco.
Saímos. Eólo soprava as suas nortadas frias, revoltando-te o cabelo longo e solto. Nem tive tempo de me aproximar de ti. Correste na paisagem em direcção à falésia. Havia um aviso a alertar todos os visitantes para a possibilidade de as rochas se desprenderem, mas tu ignoraste-o. Desafiavas as regras de segurança, aproximando-te do precipício, o mais que podias.
Às vezes, gostavas de correr certos perigos, contaste-me um dia. Parecia-te que em certos momentos podias ultrapassar todos os limites, que nada de grave te acontecia. Uma vez, vieste do Norte e fizeste a A1 entre os 150 e os 180 Km, embora, em fracções de segundo, tivesses chegado aos 200. Ultrapassaste todos os condutores que se afastavam para a faixa da direita, logo que se apercebiam da tua aproximação. Ouvi-te e pedi-te que não brincasses com a vida . Tranquilizaste-me explicando-me que nem sempre devemos cumprir as regras. Há que ir além dos limites impostos por lei. A lei podia ser infringida. A vida era para ser vivida, pois era uma breve passagem.
Compreendia porque falavas assim. Tudo mudara depois da morte acidental do teu pai. Tu foras a que mais mudaras e isso assustava-me...
Enquanto olhavas extasiada o mar, aproximei-me de ti, envolvi-te pela cintura e demos uns passos atrás. Não era necessário desafiar os elementos da natureza. Jamais os igualaríamos!
O mar é lindo visto daqui! Só se vê água e mais água. Fico sem fôlego quando aqui venho!
Hum... Hum... estou a ver.
Não concordas comigo, Eduardo?
Concordo, desde que não te aproximes de mais do penhasco.
Consigo aproximar-me sempre mais um pouco. Adoro ver o mar lá no fundo, as ondas do mar a quebrarem-se nas rochas e a desfazerem-se em espuma.
Pode ser lindo, mas arriscado. Pode sempre haver um acidente...
Nada temas...
A tua voz soou sumida e eu senti um leve arrepio nas costas. Não. Não atentarias contra a tua vida! Não podias!

1 comentário:

Pecadormeconfesso disse...

O mar... sempre a mesma presença e a mesma tentação.