Tinhas asas e voaste. Foste levado pelo desejo de uma vida melhor. Portugal não te dava quase nada, por isso emigraste. Foste para França onde já se encontravam outros dos teus irmãos.
Foste clandestinamente pondo em risco a tua vida, mas a tua força interior guiou-te. A primeira tentativa saiu gorada. Foste apanhado e tiveste de regressar à pequena aldeia onde moravas. Todavia não desististe.
A segunda tentativa foi de vez. Foste "a salto" como nos contavas, a mim e ao meu irmão, isto é , sem documentos, pagando a um guia e atravessando os Pirinéus a pé. Que proeza, pai!
Mostraste-nos e leste-nos essa aventura, que tinhas manuscrito como testemunho. Mas não o temos connosco. Uma tia por afinidade ficou com esse relato e nunca no-lo deu.
Algum tempo depois, quando já não havia menos problemas, regressaste a Portugal e casaste. Tu e a mãe foram para França. Nasci eu e passado quase cinco anos nasceu o meu irmão.
Como gostava de ir às compras contigo! Não dizias não a quase nada.
Depois veio a separação. Foi longa e sofrida. Fiquei em Portugal e fui morando ora com uma tia, ora com um tio... até que a mãe regressou com o mano e passámos a viver com a avó.
Essa primeira separação foi dolorosa, mas víamo-nos sempre no mês de Agosto.
Uns anos depois regressaste. Tinhas uma quinta para cuidar e muitos projectos que puseste em prática. Continuavas a sonhar e a concretizar os teus sonhos, até que tudo terminou num Sábado, dia 2 de Maio, de 1992. Não consegui acreditar que partiras da forma mais cruel: assassinado e o teu corpo profanado. Fingi durante anos que ainda estavas em França, como quando eu era menina.
Depois fiz o luto tardio que deixou muitas feridas e sequelas.
Hoje, pai, recordo as nossas conversas, a partilha dos nossos sonhos, os teus olhos de um azul muito doce. Recordo o teu gosto pelas flores, sobretudo as dálias, os gladíalos, as rosas. Sempre as rosas vermelhas.
Pai, sei que estás e estarás onde eu estiver e que eu agora estou melhor. Sabes porquê? Fiquei com as rosas e o teu amor invisível.