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Finalmente uma parte desta mulher aceita a actual situação: a de nunca mais vir a trabalhar. Esta certeza provocou nela muita dor, muita angústia e desalento. Foi uma caminhada longa do sucesso profissional até à descida ao inferno.
Hoje, a cada amanhecer, cada vez lhe custa mais sair da cama para iniciar um novo dia. Então, inventa-se. Passa horas à frente de um computador para criar uma base de dados. Isola-se completamente nesses momentos. O gabinete onde trabalha é para ela um refúgio e uma prisão. Nem tem coragem de sair dali. Parece um autómato. Há alturas em que lágrimas amargas e salgadas escorrem pelo rosto até chegarem e morrerem na boca.
Neste gabinete, escreve a lápis, histórias e textos, num caderno que comprou. Escreve o que bem lhe apetece. E cumpre rigorosamente as suas nove horas de trabalho. Devido ao seu isolamento, fala com poucas ou nenhumas pessoas. Parece querer fazer-se de invisível. Por vezes tem medo do olhar dos seus colegas de trabalho, que trabalham e conversam animadamente. Há gargalhadas no ar. Nela há só silêncio e uma dor infinita.
Há dias em que pensa em Fernando Pessoa. Seria feliz no seu trabalho? Conseguiria ele cumprir o horário de trabalho na íntegra? Seriam os seus colegas de trabalho tolerantes se ele não cumprisse? Seria sociável ou a-social?
Estas questões dançavam na sua cabeça por uma só razão. Fernando Pessoa, tal como ela, era um depressivo bipolar. Como seria o seu dia-a-dia como profissional? Como escritor sabia-o brilhante apesar de, por vezes, ter laivos de loucura! Ela não estava muito longe disso. Já fizera várias estadias na melhor ala dos hospitais: a psiquiátrica... por se ter atirado para o abismo.
10 comentários:
muito bom !!
Há sempre outro caminho sem ser o de caminhar em frente para o abismo...
Por vezes uma mão pode ajudar a não ir em frente...
Obrigada Daniel pelo seu comentário e pela sua visita ao meu blogue.
:))
Eu sei Nando. É muito bom ter uma mão para ajudar...para caminhar em frente mas não para o abismo.
Olá, Natália
Se dessem a escolhar ao FP entre ter o talento que teve e ser bipolar ou não ser bipolar e não ter o talento que teve sabes o que ele escolheria? Eu sei.
E depois, há sempre outros caminhos para além daquele que nos leva ao abismo. Se tivermos uma mão, melhor. Se tivermos duas melhor ainda. Se tivermos muitas, muito melhor. Mas se só tivermos as nossas, terá que ser só com essas que temos de encontrar o outro caminho.
Olha, não gosto das alas de psi dos hospitais. São horriveis. Os SPAs são bem mais agradáveis.
Bj
Olá, já te encontrei.
Mas, não necessário caminhar em direcção ao abismo.
BJ
Escolheria ser talentoso, claro. Aliás, nem era necessário! Ele foi um génio.
Tens de me dar a morada desse SPA.
Beijinhos.
PS- Como admiro a tua força
Olá.
De facto, de nada adianta caminhar em direcção ao abismo.
:))
Querida Natália
Às vezes, o abismo está dentro de nós. Há que ter a força de aceitar as nossas limitações e fazer delas vantagens, de algum modo. Olha, ouvi uma música estúpida há bocado na tv, mas que vem a propósito. Dizia: a vida deu-me limões, e eu fiz tartes de limão. Era um rap americano, sem jeito nenhum, mas cabe aqui.
Bjs
Querida Teresa
Creio que já estou nesse caminho. Até porque escolhi seguir o sol e não a noite.
Beijinhos
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