sexta-feira, 19 de março de 2010

Fiquei com as rosas


Tinhas asas e voaste. Foste levado pelo desejo de uma vida melhor. Portugal não te dava quase nada, por isso emigraste. Foste para França onde já se encontravam outros dos teus irmãos.
Foste clandestinamente pondo em risco a tua vida, mas a tua força interior guiou-te. A primeira tentativa saiu gorada. Foste apanhado e tiveste de regressar à pequena aldeia onde moravas. Todavia não desististe.
A segunda tentativa foi de vez. Foste "a salto" como nos contavas, a mim e ao meu irmão, isto é , sem documentos, pagando a um guia e atravessando os Pirinéus a pé. Que proeza, pai!
Mostraste-nos e leste-nos essa aventura, que tinhas manuscrito como testemunho. Mas não o temos connosco. Uma tia por afinidade ficou com esse relato e nunca no-lo deu.
Algum tempo depois, quando já não havia menos problemas, regressaste a Portugal e casaste. Tu e a mãe foram para França. Nasci eu e passado quase cinco anos nasceu o meu irmão.
Como gostava de ir às compras contigo! Não dizias não a quase nada.
Depois veio a separação. Foi longa e sofrida. Fiquei em Portugal e fui morando ora com uma tia, ora com um tio... até que a mãe regressou com o mano e passámos a viver com a avó.
Essa primeira separação foi dolorosa, mas víamo-nos sempre no mês de Agosto.
Uns anos depois regressaste. Tinhas uma quinta para cuidar e muitos projectos que puseste em prática. Continuavas a sonhar e a concretizar os teus sonhos, até que tudo terminou num Sábado, dia 2 de Maio, de 1992. Não consegui acreditar que partiras da forma mais cruel: assassinado e o teu corpo profanado. Fingi durante anos que ainda estavas em França, como quando eu era menina.
Depois fiz o luto tardio que deixou muitas feridas e sequelas.
Hoje, pai, recordo as nossas conversas, a partilha dos nossos sonhos, os teus olhos de um azul muito doce. Recordo o teu gosto pelas flores, sobretudo as dálias, os gladíalos, as rosas. Sempre as rosas vermelhas.
Pai, sei que estás e estarás onde eu estiver e que eu agora estou melhor. Sabes porquê? Fiquei com as rosas e o teu amor invisível.

7 comentários:

F Nando disse...

Emocionante! Uma homenagem muito bela e tão sentida!
Beijinhos

Teresa Diniz disse...

Natália
Que linda homenagem ao teu pai. Tenho a certeza que ele continua muito orgulhoso da sua menina.
Bjs

Natália Augusto disse...

É verdade, Nando. Levei muito tempo a falar sobre o assunto.

Bjs

Natália Augusto disse...

Acho que sim, Teresa. Apesar de tudo, fiz conquistas graças à sua "ajuda". Não foi necessário a sua presença, mas a lembrança das nossas conversas e a partilha dos nossos sonhos.

Beijinhos

Olga Mendes disse...

Lindo e cheio de sentimentos. Perder o pai ou a mãe não é fácil, é uma dor que não sai do peito mas acho que as pessoas vão aprendendo a lidar com ela, é o que su sinto bem aqui do meu lado. Beijinhos grandes e adorei a homenagem que fizeste ao teu pai, um homem que lutou para vos dar uma melhor vida.

Natália Augusto disse...

Olá Olga,

homenageio-o hoje da forma que me é possível: com amor e carinho.
Obrigada pelas tuas palavras.

Beijos

Eli disse...

Aqui, deixo-te um agradecimento (simbólico) pelo apoio que me tens prestado (no meu blogue).

Obrigada.

:)