Autopsicografia
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
E os que lêem o que escreve,
Na dor lida sentem bem,
Não as duas que ele teve,
Mas só a que eles não têm.
E assim nas calhas de roda
Gira, a entreter a razão,
Esse comboio de corda
Que se chama coração.
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Eu não sou eu nem sou o outro,
Sou qualquer coisa de intermédio:
Pilar da ponte de tédio
Que vai de mim para o Outro.
Mário de Sá Carneiro
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EU QUERO AMAR PERDIDAMENTE
Eu quero amar, amar perdidamente!
Amar só por amar: Aqui... além...
Mais Este e Aquele, o Outro e toda a gente...
Amar! Amar! E não amar ninguém!
Recordar? Esquecer? Indiferente!
Prender ou desprender? É mal? É bem?
Quem disser que se pode amar alguém
Durante a vida inteira é porque mente!
Há uma primavera em cada vida:
É preciso cantá-la assim florida,
Pois se Deus nos deu voz, foi pra cantar!
E se um dia hei-de ser pó, cinza e nada
Que seja a minha noite uma alvorada,
Que me saiba perder ... pra me encontrar...
Florbela Espanca
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O Palácio da Ventura
Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busca anelante
O palácio encantado da Ventura!
Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!
Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!
Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão -- e nada mais!
Antero de Quental
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Não se sabe bem de onde vem essa inquietação. Mas ela existe e perturba qualquer ser aparentemente mais forte tornando-o frágil e à mercê ou da dor ou de um estado de delírio incontrolável. Apetece tudo e não se quer nada. Sabemos quem somos e logo depois já não nos reconhecemos nas palavras que dissemos ou escrevemos. Há uma angústia permanente. Um desassossego que não passa e dói fundo no ser. Às vezes, a obsessão acompanha todos os actos e pensamentos. Ninguém compreende. Quem sente sofre. A dor e o desespero são realmente o pior de tudo. O cansaço também.
6 comentários:
Espero que não te estejas a referir a ti própria, pois talvez a interpretação do teu texto como um desabafo seja abusiva,(na realidade, não sabemos se estás apenas a fazer uma análise ao conjunto de poemas com tema comum) mas se for o caso, todos nós temos momento desses e apenas parece ao próprio que mais ninguém sente... Por vezes o cansaço necessita de espaço, dá-lhe esse espaço e descansa... e amanhã, ou depois, ou quando vier o sol, tudo estará melhor, acredita :) Beijinho
Com certeza, mentes inquietas, mas que nos deixaram um legado fabuloso.
Quatro escritos e a mesma inquietação de viver!
Olá Eva
No meu texto final não quis de maneira nenhuma comparar-me a esses génios da nossa literatura. Seria uma arrogância e, como diz, abusiva.
Muito sol.
É uma verdade Pinguim. Além destes há muitos outros nas mais diversas áreas e nem por isso deixaram de viver a sua vida (ainda que alguns se tenham suicidado)
BJ
Exacto. O mesmo SENTIR, a mesma fome de INFINITO.
Dos quatro, só Fernando Pessoas morreu sem se suicidar. Ou tê-lo-á feito inconscientemente?
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