Foto de N Augusto
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Todos os dias passava por aquela casa. Era, de facto, uma belísssima moradia. No entanto, sem desprimor da bela construção, o que mais a cativava era aquela janela.
Aquela janela era mágica. Gostava da grade de ferro forjado que a protegia de possíveis invasores, com imensos corações desenhados. Bom, era isso que ela via e queria ver! Gostava também de, na Primavera, ver os vasos pendurado, cheios de belas sardinheiras carmim. Que contraste cromático encantador! Sim, gostava muito daquela janela.
Imaginava que noutros tempos, bem longínquos, a janela já fosse assim e que uma bela rapariga da vila lá morasse e que se tivesse apaixonado por um forcado vindo de uma terra distante. Mas como a família não aprovava tal namoro, tinha ali colocado aquela separação entre os amantes, tendo enviado a rapariga para o Minho, para casa de uns parentes. O romance acabaria com o passar do tempo.
Imaginava também que morava ali uma família brasonada e que a filha mais nova se havia enamorado por um pescador da vila. A noite escura era a protectora dos seus encontros naquela janela. Através dela fizeram juras de amor eterno, trocaram prendas e deram o primeiro beijo. Só que, certa noite, a mãe acordou a meio da noite e descobriu o que se passava. Nada disse. Porém algo deve ter contecido porque, a partir daquela noite, o pescador desapareceu. A bela jovem, entre lágrimas, esperou em vão pelo seu amado.
Imaginava também que uma família rica, possuidora de várias herdades, tivesse como único filho um varão. Era um homem alto, espadaúdo, olhar sedutor. Não viria nunca a casar-se por ser como era. Conquistava todas as belas moças da vila, prometia-lhes este mundo e o outro e elas, ingénuas e apaixonadas, acreditavam.
De entre todas as suas conquistas, só uma delas, passados largos anos, lhe bateu à porta. Ele, arrogante, abriu-lhe a janela. Ela não temeu aquele olhar. Disse-lhe tudo o que engolira durante anos. Terminou a conversa dizendo-lhe que merecia a solidão e a pobreza que se abatera sobre a sua família! Não soubera nunca amar. Nem nunca tinha sabido deixarse amar por pura luxúria! Ele mandou-a embora e ela foi feliz.
Quantas histórias ela imaginava a partir daquela bela janela. Quantas histórias poderia ainda criar a partir dela.